terça-feira, 10 de agosto de 2010

Por algum tempo eu esperei um momento assim. Aceitando essa resistência ao ato de dormir, depois de reler citações em páginas decoradas de um ou dois livros que se encaixe. Depois de pensar sobre todos os meus relacionamentos que não deram certo, os motivos pelos quais não me dirijo a algumas pessoas, os motivos aos quais algumas pessoas não se dirigem a mim, relembro musicas. Observo os desenhos na parede do quarto, fechos os olhos, tento dormir, não consigo. Abro o notebook, inspiro ar para os pulmões como se estivesse pondo idéias na cabeça. Vendo-me. Como qualquer escritor vagabundo, antigo, calejado. E então sinto o peso do que há em mim e preciso escrever. Eu começo. Sinto forte cada botão no teclado como se estivesse usando uma maquina de datilografia. Daquelas que acusam em som a saída do que é escrito, o meu sentimento. Tento pensar dessa maneira para imaginar que o que quero externar esteja realmente saindo. Não só com o que eu escrevo, mas em uma espécie de barulho que só eu escuto, como a dor realmente é, um incomodo meu. Até que.

Além dos sentimentos, vão-se reduzindo as palavras e a resistência ao sono. Percebo-me inquieto quanto noto que perdi o nexo, o contexto e o rumo. Nos dois tempos. Como se estivesse distanciando de qualquer lugar que tenham estipulado como início. Essa é a maior ponte que eu talvez chegue a construir. Não consigo não mudar de idéia e dessa forma tenho em diversas mangas, infinitos finais. Histórias simples. Com o espírito de um escritor surrado, que recebe em filme o cenário de um hotel barato, amarelado e inanimado, exceto pelo próprio personagem que assume: o autor. Tentando não pensar em todas as linhas de distintos finais que qualquer outro pode ter, exceto ele. Que por essa razão escreve. Tentando voltar. Retomar qualquer outro roteiro. Outra oferta, uma oportunidade. De ser sabe lá o que, até chegar lá sem saber como.

Como pássaros numa viagem de volta. Rodeios. Arrepios. Arrependimentos. Como se o frio da situação fosse condicionando cada movimento de asa. Para onde foi o calor? Para o mesmo lugar que preciso ir. Cada questionamento um desentendimento sem fim. Mas, quisera o autor que ele fosse pássaro, condicionando-me para toda a vida. Inteirinha. Dois grandes senhores. O próprio pássaro e o tempo. Lugares diferentes, cantos diferentes. Mesmo fim. Sem nenhuma experiência profunda. No limite de Ícaro, nada de altura. Só observa e plana. Como se fosse superficial a si mesmo. Inabitado, irreconhecível. Previsível em pequenas pausas e pousos. Manjado em quedas, trombadas e declives. Irremediável.

Dono de um escrito planejado em órbitas estranhas. Incalculável. Com cinco rastros pelo menos. Assume posição de tudo aquilo que ler e gosta. Milhares de paginas. Diversificado. Conto. Contato. Contrato. Sozinho. Tomado por outras posições, prioridades, ventos, temperaturas. Altas, sempre. Sempre, sempre, sempre, sempre. Pronto. Ponto.

Retornar nem sempre é repetitivo, principalmente se é exagerada a memória pouca. As músicas, quase todas já ouvidas e parcialmente decoradas, relidas diversas vezes e de diferentes maneiras, principalmente. Como se caminhar repetidamente sobre a idade do céu fosse findar um dia. E não vai. Os melhores filmes, quase totalmente destrinchados, lidos e memorados. O mesmo para os livros. Os lugares. Os desejos. Que de tantas vezes revistos, só consolidam a idéia de sempre revê-los. Os detalhes estão sempre em rota de fuga e por isso é cada vez mais necessário ir e vir. Crescer sem perdas. Sem vazios. Sem ter de acordar um dia e recorrer a terceiros sobre qual o nome de sua canção favorita. Como se pudesse alcançar o infinito e suportasse trazê-lo em mochila. Quase cômico. Acumulo por repetição, a maneira mais prazerosa que existe para ampliar a memória falando sobre as mesmas coisas sempre. Vou crescer cem anos dessa maneira. Até a última claquete bater, surpreendendo o autor com um roteiro premiado.



Um comentário:

Zé Ellys disse...

Interessante a técnica da sua escrita, é como se cada frase, ou cada simples início de oração antes mesmo de se tornar uma frase completa, fosse um novo texto. E de cada uma dessas frases uma gaveta com infinitas outras histórias podesse ser aberta, como numa coletânea de um texto só. Vc escreve muito bem (Y)